Um dos grandes paradigmas que se enfrenta toda vez que falamos de sustentabilidade é a dificuldade de mudarmos a cultura enraizada nos modelos de negócios e na maneira de produzir. A cultura das empresas do setor de calçado, vestuário e toda moda desde seu surgimento na Revolução Industrial, compreendeu como a única saída de diferenciação e sucesso a produção por preços. Essa realidade tão arraigada na gestão dos negócios dificulta a percepção mais clara de novos valores e visões de sucesso alinhadas à nova revolução industrial: conectada com tecnologias eco-responsáveis e, consequentemente com o design servindo à um propósito bem definido.
Nossa tradução comum e difundida no Brasil da palavra design é desenho – referindo-se a parte externa ou volumétrica do produto, e é ai que reside o erro. Design vem da palavra “designare” – do latim que traduz um sentido de designar (uma intensão) e de desenho (uma configuração), em fim: pensar, planejar, projetar e utilizar. Traduzido na expressão – Forma e Função.
Nossa produção industrial, ainda estacionada e sem uma presença real de tecnologia, pois reflete processos da revolução industrial do século XIX; nossa gestão de criação, produção e venda está pautada em regras do século XX; e na contramão de tudo isso temos um consumidor em pleno século XXI, conectado e vivenciando as novas experiências de escolhas, consumo, e conteúdo.
Nosso olhar diante da indústria da moda busca uma solução que passa pelo entendimento que uma empresa não deveria ficar vinculada apenas no presente e na superfície analisando rankings de venda e explorando apenas o seu consumidor alvo para explorar todas as possibilidades de agradá-lo sem conexão, sem troca.
Elas deveriam criar grupos de trabalho, que analisem os consumidores fidelizados, questionem os que já não compram mais e principalmente um grupo específico que construa pontes para falar com as futuras gerações.
A vivência e percepção do que faz sentido no que vivemos hoje é muito mais efêmera que outrora. O que são 3 anos, 5 anos nessa velocidade com que estamos vivendo, o que muda na maneira como realizamos nosso trabalho, vivemos, consumimos e vemos o mundo? Portanto é disso que nos referimos - como estão se preparando as empresas para serem reconhecidas como relevantes em futuro tão próximo?
Os nascidos em 1997, a geração “Z”, hoje já são adultos responsáveis por suas escolhas e os nascidos em 2010 a geração “Alfa” são adolescentes e portanto logo mais estarão aptos para consumir – apesar de hoje já influenciarem o consumo dos seus pais e avós modificando seus hábitos. E o que refletir sobre os indivíduos que estão nascendo hoje, que, com poucos meses, já estão com uma postura e características bem desenvolvidas e com uma extrema facilidade para se conectarem com a tecnologia. Quais produtos serão as escolhas desses consumidores? Estamos preparados para atendê-los?
Nossa intenção ao ter a oportunidade de aqui trocar ideias é de inquietar os que seguem acreditando que a sustentabilidade é um efeito passageiro (como se acostumou a dizer na moda, uma tendência), ou que naturalmente o sistema de produção de moda irá mudar e as tecnologias verdes irão surgir.
Claro que a segunda opção irá acontecer, mas qual o impacto? Como será essa mudança de modelos de negócios e produção? Como sobreviver a essa mudança sem estar preparado?
As empresas de hoje devem estar preparadas para essa revolução – que irá para além das mudanças de comportamento de consumo, e vai estar baseada na sustentabilidade, na circularidade das coisas, nos conceitos ESG (environmental, social and governance) e nas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da Organização das Nações Unidas (ONU). Não vamos esquecer que mesmo pequenas mudanças de mercado deixam empresas de pensamento estagnado ou moroso em grande risco de desaparecerem, o que dirá um momento de revolução de mercado.
Sustentabilidade é o novo padrão de qualidade, e essa configuração circular que torna a todos interconectados: natureza, humanos, animais e cada coisa que consumimos, vai reger e gerar novas narrativas para profissionais, empresas redefinindo lucro, relações, status e valores geracionais. Ah, e mais, mesmo negociações financeiras e de investimentos já priorizam para confiabilidade indicadores ESG. Como será no futuro?
Portanto incentivar a inovação dentro das empresas é, para nós, a base dessa grande mudança, entender que o futuro se constrói a partir de ações cotidianas eficazes e sistematizáveis.
É importante aprofundar a visão da empresa, consolidando o design como o vetor principal da combinação entre produzir e cuidar para que as futuras gerações possam não só consumir corretamente, principalmente de empresas eco responsáveis como a sua deverá ser, e que continuem a vivenciar e a se encantar com a beleza do planeta Terra, e tenham um vida plena.
Julia Webber
Designer e consultora de design e sustentabilidade do Inspiramais
Walter Rodrigues
Designer, consultor e coordenador do Núcleo de Pesquisa e Design do Inspiramais
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